Hoje queremos dar-vos a conhecer a história da Vânia Pereira, uma jovem portuguesa que em Maio de 2014 decidiu deixar tudo para trás, ignorando as recomendações dos seus médicos, e partir em direção a Moçambique, um dos países mais pobres do mundo, para realizar um dos seus sonhos de vida: participar num projeto de voluntariado em África.
Foram dois meses repletos de Amor! Muitos sorrisos, abraços, doces momentos… Enfim, experiência inesquecível! E isso pode ver-se nas fotografias que ilustram este artigo. Aqui vos deixamos os detalhes desta fantástica e recompensadora experiência, contada em 1ª pessoa! Passamos a palavra à Vânia:
Em Maio do presente ano rumei a África para concretizar um desejo de há muito… Fazer uma acção de voluntariado neste continente. Com inúmeros países como possibilidade, o destino foi Moçambique. Durante 2 meses trabalhei como voluntária numa escola primária situada em Benfica – a Escola Primária Unidade 29 (EPU29). Durante este período fiquei responsável por três turmas da 7ª classe (em Moz o ensino primário vai da 1ª à 7ª) com uma média de 60 alunos por turma, sendo que havia alturas em que era possível chegar a ter 80 alunos dentro de uma sala de aula. Sim, as turmas eram demasiado alargadas! Regressei há cerca de 5 meses de Moçambique e depois da tão intensa experiência que lá vivi não me é possível continuar a minha vida como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse mudado… Passaram 5 meses e não há um dia que passe em que eu não pense nos meus meninos e não sinta uma vontade enorme de voltar. A minha vontade constante é a de apanhar um avião e regressar “a casa”. Àquela que passou a ser a minha casa do coração.
Lembro do 1º dia que cheguei. Moçambique era para mim um grande ponto de interrogação. Como que um puzzle gigante… mas desfeito. Onde as peças estavam cada qual para seu lado, espalhadas, perdidas… encobertas. “Expectativas?”, questionavam-me muitas vezes. “Tudo e Nada. Venho preparada para o que vier…” E sabem que mais? O que veio foi TUDO. O grande ponto de interrogação foi-se desvanecendo e começava então agora a encaixar algumas peças, a ordená-las, a descobrir as encobertas… Moçambique foi-se tornando a pouco e pouco um puzzle completo, repleto de imagens, de cor, de cheiros, de vozes, de vida.
“O mundo faz-se de pessoas, da essência que se encontra nas pequenas coisas, nos mínimos detalhes”
Moçambique é muito diferente, é certo. E eu gostei imenso de todas essas diferenças que ele me mostrou. Costumava dizer ainda lá que a única coisa que não gostava era o facto de anoitecer muito cedo. Por volta das 17:30 a noite caía… Tirando isso, amei todas as diferenças. Era também isso que buscava – a diferença. Os contrastes culturais, o saír da zona de conforto… E sem dúvida que isso aconteceu… E como! “Mas porque gostas tanto daqui?” ou “Do que gostas mais aqui?”, perguntavam-me por vezes lá e agora também cá me questionam.”- É a atmosfera daquilo… São pessoas. A alegria contagiante… As pequenas (grandes) coisas… A simplicidade.”, respondia. E é sobretudo isso. As pessoas. As pequenas coisas… O mundo faz-se de pessoas, da essência que se encontra nas pequenas coisas, nos mínimos detalhes…
São as pessoas que fazem um país, e, consequentemente, desse mesmo país bom ou mau e não a quantidade de lixo espalhado nas ruas. (Se é que me faço entender…) 2 meses. Se por um lado, passaram como que num piscar de olhos… Ao mesmo tempo equipararam-se a 1 ano. No sentido em que a adaptação foi tão fácil… Sentia-me em casa. Talvez por isso tivesse a sensação de que já lá estava há muito tempo… Assim como também pela intensidade com que vivi aqueles dois meses. Por outro lado, passou tão rápido! Isto deve-se ao facto de amar o trabalho que lá estava a desenvolver enquanto voluntária na escola. Quando fazemos algo que amamos o tempo passa sem darmos conta… Não queria que aqueles dois meses terminassem. Queria parar o tempo…
Aos olhos de Moçambique, Portugal pode parecer mega limpo e organizado. Mas lá acontece algo extraordinário… Apesar das dificuldades que o país atravessa (e que não são comparáveis com as nossas, podem crer!) as pessoas esboçam sorrisos inimagináveis… Enquanto que aqui as pessoas estão continuamente descontentes e aborrecidas… É claro que isto não se aplica a todas as pessoas… mas a uma grande fatia delas sim. E isso aborrece-me “um pouco”. Cada vez menos sem paciência para pessoas que se queixam por “mesquinhices”… Bah!
“Sabia que corria riscos sim. Mas também sabia que havia probabilidades de as coisas correrem bem.”
Destacar que a Vânia sofre de Espondilite Anquilosante, uma doença inflamatória crónica que afecta principalmente articulações da coluna vertebral e sacroilíacas e, em menor frequência, articulações periféricas e estruturas extra-articulares. Mas contra todas as recomendações médicas, deixou o tratamento e partiu em direção a Moçambique para realizar o seu sonho:
“Quando na altura abordei a minha médica reuma sobre o desejo de rumar a África para realizar o meu projecto de Voluntariado, ela olhou-me de uma forma que eu interpretei como que: “Enlouqueceu?!” Alertou-me para o facto de que, se fosse sob o Tratamento Biológico seria um grande risco e que, se o parasse, poderia ter também graves consequências – regredir na doença e ficar como já tinha estado antes de me ser cedido este “milagroso tratamento”. Ou seja, de as dores voltarem e, na pior das hipóteses, deixar até de conseguir andar… Mas que, como era óbvio, a decisão final seria minha. Ora, mesmo perante este quadro não muito simpático eu segui o coração e decidi arriscar. Imprudência? Talvez. Mas eu prefiro chamar-lhe Amor. Há muito que tinha este objectivo (já cá tinha feito voluntariado mas África sempre teve uma espécie de “chamamento constante”) e eu tinha que aproveitar para fazê-lo enquanto “podia”. Houve uma altura em que estive de facto muito mal devido a este meu “probleminha”… e nessa altura eu só pensava em tudo aquilo que eu ainda queria fazer (e que da forma em que me encontrava na altura não o podia…) Pensava particularmente neste meu desejo de rumar a África como voluntária e questionava-me sobre quando isso aconteceria. Por isso quando, graças ao biológico, eu “me tive de volta”, não quis perder mais tempo… Sabia que corria riscos sim. Mas também sabia que havia probabilidades de as coisas correrem bem.
Para ter uma ideia, houve uma altura, em 2012, em que eu fiquei sem conseguir sequer levantar os pés do chão, perdendo, em parte, a minha autonomia. Na altura em que tive essa crise aguda a EA começou a afectar também os joelhos, tornozelos, pescoço… Sendo que as sacro-ilíacas foram sempre as mais afectadas. Foi uma crise horrível. Dores insuportáveis… Cheguei mesmo a entrar em desespero. Experimentei imensa medicação sem resultados, andei meses de muletas e cheguei até a experienciar a cadeira de rodas. Nessa altura eu não conseguia nem levantar os pés do chão. Lembro-me do dia em que fui para a urgência com as piores dores de sempre… como nunca antes havia sentido… Lembro-me de querer trocar os chinelos de quarto que trazia e calçar uma sapatilhas e não conseguir descolar os meus pés do chão. Momentos que só de relembrar provocam um aperto no peito… Mas bom, felizmente tudo correu bem. Tive que parar obrigatoriamente o tratamento 1 mês antes de ir para Moz, em Abril, a fim de “limpar o organismo” e fazer a vacinação necessária.
Até me apanhar no avião rumo a Moçambique andei num turbilhão… Todos os dias o receio da dor estava presente… Por outro lado, tentava acreditar que as dores não voltariam e que eu seria capaz de realizar aquilo a que me propunha. A minha primeira semana em Moz foi sob stress pois a ideia de as dores e voltarem e arruinarem com tudo acompanhava-me. Ao fim de uma semana decidi não pensar (ou por outra, tentar não pensar) mais nisso, pois se o fizesse não iria tirar o devido proveito daquela experiência fantástica. Tinha feito um seg de saúde e não hesitaria, claro, em regressar caso isso se justificasse, caso fosse mesmo necessário. Felizmente tudo correu bem. Melhor do que o que eu poderia prever… Mais, após voltar a Portugal fui fazer avaliação e os médicos consideraram que eu estava tão bem que não se justificaria, no momento, voltar a fazer o biológico.
Assim sendo, posso dizer-lhe que estou desde Abril sem o tratamento biológico e estou bem. Costumo dizer que o amor daqueles meninos me “curou”. É claro que a EA continua e continuará sempre comigo mas neste momento é como se me sentisse liberta dela. Hoje, sem o biológico, faço apenas um comprimido por dia e faço a minha vida perfeitamente normal. Faço tudo aquilo que fazia antes da EA voltar a “atacar-me”. Enquanto me aguentar sem dores sem o biológico óptimo! Espero não voltar a precisar dele tão cedo!
Para poder ir para Moçambique tive que parar o Tratamento Biológico que estava a fazer na altura, pois correria sérios riscos se fosse sob este tratamento. Para quem desconhece a EA bem como este tratamento… Os agentes biológicos, embora ajudem, em muitos dos casos (bem sucedidos), os espondiliticos a voltar a viver com qualidade e fazerem as nossas vidas perfeitamente normais, têm também muitos contras! A pessoa que faz este tipo de tratamento tem que ter cuidados acrescidos pois os biológicos baixam muito as defesas do organismo colocando-a muito mais susceptível a todo o tipo de infecções. Aquela que, para uma pessoa saudável, poderá ser uma infecção fácil de tratar, numa pessoa sob este tratamento pode tomar grandes dimensões, complicadas… Por isso os biológicos são normalmente deixados para último plano. De destacar também que todos os agentes biológicos são muito caros… Creio que essa é também uma razão pela qual os bio vão sendo “adiados”. Por norma são cedidos (gratuitamente) apenas a pessoas que têm a doença activa apesar da terapêutica “adequada” com os fármacos clássicos recomendados. Como foi o meu caso. Mudei várias vezes de medicação e nada funcionava… A última medicação que estava fazer, antes de iniciar o biológico, era Exxiv, Salozopirina e Lepicortinolo. As dores eram tão fortes que em dadas alturas eu ultrapassei as doses de corticóides recomendadas pela minha médica na esperança de que tivessem algum efeito… Mas em vão. Fiz também várias infiltrações ao longo da última crise. Após nada resultar… A única esperança era mesmo o tratamento biológico. Felizmente e após avaliação resolveram ceder-mo! Tive muita sorte pois sei que há muitas pessoas que gostariam de ter acesso a este tratamento e não o conseguem…
Desejo de coração que todos os portadores de EA consigam um dia encontrar um tratamento adequado que os permita viver com qualidade, SEM DOR. Viver dia após dia com a dor não é fácil… Já imaginaram o que isso é? Há muita gente que desvaloriza a EA. Muitas pessoas acham que os espondiliticos se queixam demasiado e muitas vezes desconfiam das suas dores ou da dimensão dessas dores… E isso é triste! Isto acontece porque a desconhecem. Eu já senti esse preconceito por parte de algumas pessoas na altura da minha última crise… E confesso que houve um episódio que chegou a tirar-me do sério… Como pode alguém ousar insinuar que poderemos estar a exagerar ou a fingir algo assim? Revoltante! Se não sabem do que falam, não falem. Informem-se antes de o fazerem. A EA não é fingimento, é DOR. E sim, dor diária, constante, muitas das vezes. Acredito que se sentissem na pele essas dores não voltariam a desconfiar/desvalorizar jamais quem as sente.
Gostaria que esta minha experiência servisse também para, de alguma forma, levar um pouquinho de esperança às pessoas que convivem com a EA diariamente, que se encontram em situações como esta que acabo de relatar e que até agora não encontraram um tratamento certo que lhes permita fazer as suas vidas normalmente. (…) O desejo de concretizar o meu projecto de voluntariado em África, esta vontade imensa de ajudar os outros, deu-me a força necessária para não desistir. Acho que foi o Amor que me “salvou”. Se levar um pouquinho de esperança e motivação as pessoas que se revem no meu testemunho, já terá valido a pena a partilha deste meu “probleminha”.
Estamos juntos!
Na Ku Rhandza, um projecto de amor
Regressei há cerca de 6 meses de Moçambique e depois da tão intensa experiência que lá vivi não me é possível continuar a minha vida como se nada tivesse acontecido, como se nada tivesse mudado… Passaram praticamente 6 meses e não há um dia que passe em que eu não pense nos meus meninos e não sinta uma vontade enorme de voltar. A minha vontade constante é a de apanhar um avião e regressar “a casa”. Àquela que passou a ser a minha casa do coração. Daí ter decidido criar uma página no facebook “Na Ku Rhandza – Love Project”. Não somente para partilhar o trabalho que lá desenvolvi mas sobretudo para tentar dar continuidade ao projecto.
“Na ku rhandza” significa “Amo-te” em changana – um dos dialectos de Moçambique, muito falado na capital Maputo. Durante o tempo que estive em Moz fiz questão de aprender um pouquinho de changana, até porque era frequente ouvi-la em todo o lado, até mesmo na EPU29. “Na ku rhandza” foi uma das primeiras palavras que aprendi no dialecto. Uma vez numa das aulas os meninos começaram a dizer-me: “Na ku rhandza! Na ku rhandza, professora Vânia!” “Na ku Rhandza? O que significa?” “Estou a dizer que te amo. Que gosto muito de ti.” Desde então “na ku rhandza” passou a ser dita diariamente entre nós.
Por esse motivo e porque este é um projecto de amor… pareceu-me absolutamente perfeito.
Neste momento que eu mais desejo é voltar para Moçambique para dar continuidade ao meu trabalho como voluntária, o que se torna complicado pois todas as despesas têm de ser pagas por mim… Mas acredito que irei consegui-lo e levar ainda muitos mais sorrisos aos meus meninos! Como costumo dizer sempre “Nada é impossível para um coração cheio de vontade!
Como disse no dia em que regressei: “O corpo em Portugal mas o coração em Moçambique”. O meu coração ficou aí convosco. E passados 6 meses assim continua… Não foi nem é uma despedida. É um “Até já…” Vocês sabem que um dia volto para abraça-los de novo! Na ku rhandza!
Se queres saber mais sobre o projeto da Vânia, entra na sua página do Facebook.
Adorei o seu relato. Gostava de saber como conseguiu estabelecer contactos para fazer esta sua viagem emocionante. Estou a tentar embarcar numa viagem assim mas estou a ter muita dificuldade em conseguir algum contacto que me ajude.
Ficar-lhe-ia muito agradecida se pudesse entrar em contacto comigo. O meu email é [email protected]
Muito obrigada
Margarida
Linda narração. Quem é de Moçambique fica com a auto-estima elevada depois de ler este texto.
Obrigado pelo seu comentário Octavio. A verdade é que dá muita vontade de viajar a Moçambique depois de ler este artigo… Cumprimentos!